sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Os girassóis e nós



Eles são submissos. Mas não há sofrimento nessa submissão. A sabedoria vegetal os conduz a uma forma de seguimento surpreendente. Fidelidade incondicional que os determina no mundo, mas sem escravizá-los.

A lógica é simples, não há conflito naquele que está no lugar certo, fazendo o que deveria. É a regra da vida que não passa pela força do argumento, nem tampouco no aprendizado dos livros. É a força natural que conduz o caule, ordenando e determinando que a rosa realize o giro, toda vez que mudar a direção do Regente.

Estão mergulhados numa forma de saber milenar, regra que a criação fez questão de deixar na memória da espécie. Eles não podem sobreviver sem a força que os ilumina. Por isso, estão entregues a intermitentes e místicos movimentos de procura. Eles giram que querem o Sol. Eles são girassois.

Deles me aproximo. Penso no meu destino de ser humano. Penso no quanto eu também sou necessitado de voltar-me para uma força regente, absoluta, determinante. Preciso de Deus. Se para Ele não me volto corro o risco de me desprender da minha possibilidade de ser feliz. É nEle que o meu sentido está todo contido. Ele resguarda o infinito de tudo que ainda posso ser. Descubro maravilhado. Mas no finito que me envolve posso descobrir o desafio de antecipar no tempo, o que nEle já está realizado.



Então intuo. Deus me dá aos poucos, em partes, dia a dia, em fragmentos.



Eu dEle me recebo, assim como o girassol recebe do Sol, porque não pode sobreviver sem sua luz. A flor condensa, ainda que de forma limitada, porque é criatura, o todo de sua natureza que o Sol potencializa.

O mesmo é comigo. O mesmo é com você. Deus é nosso sol e nós não poderíamos chegar a ser quem somos, em essência, se nEle não colocarmos a direção dos nossos olhos.

Cada vez que nosso olhar se desvia da sua regência, incorremos no risco de fazer ser o nosso sol, o que na verdade não passa de luz artificial.


Substituição desastrosa que chamamos de idolatria. Uma força humana colocada no lugar de Deus.

A vida é o lugar da Revelação divina. É na força da história que descobrimos os rastros do Sagrado. Não há nenhum problema em descobrir nas realidades humanas algumas escadarias que possam nos ajudar a chegar ao céu. Mas não podemos pensar que a escadaria é o lugar definitivo de nossa busca. Parar os nossos olhos no humano que nos fala sobre Deus é o mesmo que distribuir fragmentos de polvora pelos cômodos de nosso morada. Um risco que não podemos correr.

Tudo que é humano é frágil, temporário, limitado. Não é ele que pode nos salvar. Ele é apenas um condutor. É depois dele que podemos encontrar o que verdadeiramente nos importa. Ele, o fundamento de tudo o que nos faz ser o que somos. Ele, o criador de toda realidade. Deus trino, onipotente, fonte de toda luz.



Sejamos como os girassois.



Uma coisa é certa, nós estamos no mesmo campo. Há em cada um de nós uma essência que nos orienta para o verdadeiro lugar que precisamos chegar, mas nem sempre realizamos o movimento da procura pela luz.

Sejamos afeitos a esse movimento místico, natural. Não prenda os seus olhos no oposto de sua felicidade. Não queira o engano dos artifícios que insistem em distrair nossa percepção. Não podemos substituir o essencial pelo acidental. É a nossa realização que está em jogo.



Girassol só pode ser feliz se para o Sol tiver orientado. É por isso que eles não perdem tempo com as sombras.

Eles já sabem, mas nós precisamos aprender.






[Padre Fábio de Melo]



mais que um texto, um exemplo a ser seguido.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

No meu espaço


Que saudade disso aqui. Que saudade de escrever. Que saudade do meu blog!
Há meses eu simplesmente não postava nenhum textozinho sequer. Tava sentindo falta de deixar qualquer opinião, qualquer crítica, qualquer sentimento, qualquer dúvida... Então, nessa postagem, pretendo matar a saudade, escrever algo bom e ficar satisfeita.

Bem, comecei a ler algumas postagens antigas aqui do meu blog e notei que há quase 3 anos eu mantenho de uma forma ou de outra um espaço que é meu: individualista, egoísta, egocêntrico, um pouco sem sentido, mas mantenho e ele é meu. Espaço esse que já me serviu de grande ajuda. Escrevendo eu já fui feliz, já fui triste, já cresci, já diminui, já amadureci, já regredi, já chorei, já sorri, já me diverti, já me decepcionei... Hoje eu sei que esse espaço é o lugar onde eu encontro a minha definição. Se houveram leitores no decorrer desses anos, sei que eles se surpreenderam e por vezes se decepcionaram comigo. Sei que eles podem até ter se identificado algumas vezes com aquilo que eu tenha compartilhado. Sei que eles me conheceram um pouco mais e isso é bom e é de grande valor pra mim. Quando você cria um blog, você não faz ideia da suas intenções e nem imagina o que fará dele. Um diário, um livro, uma revista informativa, uma rede social? Não sei! Mas você vai escrevendo, vai postando, vai se empolgando, vai vivendo... Chega o momento que ele vira parte de você e como parte sua você precisa cuidar dele e dedicar tempo e vida. Aí meu amigo, tudo começa a fazer sentido.
O meu blog se desprendeu de mim como uma pétala que desfaz da flor no outono. Eu o deixei viajar sozinho e por onde eu não sei. Eu fui displicente e indiferentemente eu o ignorei. Alguma pessoa ou outra chegou a me perguntar se eu já não postava mais nada no meu blog. Confesso que nesses momentos eu tive a vontade momentânea e passageira de voltar a escrever, mas foi bem passageira. É, e passou.
Hoje eu vim atualizá-lo. Não tinha nada pra escrever, não tinha inspiração alguma. E ainda não tenho. Quis falar do meu blog, quis falar do meu espaço. Mais uma vez, quis falar de mim.

Seria estranho não falar de mim num espaço que leva o meu nome como título. Seria estranho não falar de mim se o meu 'eu' está cada vez mais antropocêntrico na minha vida. Seria estranho não falar de mim, quando eu não tenho a quem criticar. Melhor criticar a mim mesma, não?!

Acho que ando tendo muito tempo pra pensar em mim. Preciso transformar meu tempo pra pensar no que fazer pelos outros. A vida é tão rara, e apesar de minha, ela é tão deles. Eu não vivo sozinha, eu não moro sozinha, eu não existo sozinha, eu não amo sozinha. Eu sou completamente dependente da minha família, amigos e vínculo social. Eu sou uma e no entanto, quero ser todos.

É isso, apesar de meu, aquilo que escrevo passa a ser dos outros. Apesar de bem egocêntrico, o meu blog 'espaçoyna.blogspot.com' é no entanto, o espaço que eu escolhi pra que as pessoas realmente descobrissem o segredo de ser alguém, o segredo de ser eu. Enfim, de volta ao meu espaço vou tentar colocar tudo no seu devido lugar. Por que é preciso reinventar-se, é necessário reorganizar-se. Eu preciso disso aqui, e assim eu sou mais feliz.

[post de boas vindas, de novo]

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Saudade

Quando penso em você me sinto flutuar,
me sinto alcançar as nuvens,
tocar as estrelas, morar no céu...

Tento apenas superar
a imensa saudade que me arrasa o coração,
mas, que vem junto com as doces lembranças do teu ser.

Lembrando dos momentos
em que juntos nosso amor se conjugava
em uma só pessoa, nós ...


É através desse tal sentimento, a saudade,
que sobrevivo quando estou longe de você.
Ela é o alimento do amor que encontra-se distante...


A delicadeza de tuas palavras
contrasta com a imensidão do teu sentimento.
Meu ciúme se abranda com tuas juras
e promessas de amor eterno.


A longa distância apenas serve para unir o nosso amor.
A saudade serve para me dar
a absoluta certeza de que ficaremos para sempre unidos...


E nesse momento de saudade,
quando penso em você,
quando tudo está machucando o meu coração
e acho que não tenho mais forças para continuar;
eis que surge tua doce presença,
com o esplendor de um anjo;
e me envolvendo como uma suave brisa aconchegante...


Tudo isso acontece porque amo e penso em você.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Reverência ao destino

Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem sua opinião.
Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá.

Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias.
Difícil é encontrar e refletir sobre os seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado.

Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir.
Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso.
E com confiança no que diz.

Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre esta situação.
Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer ou ter coragem pra fazer.

Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo o deixa irritado.
Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece, te respeita e te entende.
E é assim que perdemos pessoas especiais.

Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar.
Difícil é mentir para o nosso coração.

Fácil é ver o que queremos enxergar.
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto.
Admitir que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil.

Fácil é dizer "oi" ou "como vai?"
Difícil é dizer "adeus", principalmente quando somos culpados pela partida de alguém de nossas vidas...

Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados.
Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica quando tocamos a pessoa certa.

Fácil é querer ser amado.
Difícil é amar completamente só.
Amar de verdade, sem ter medo de viver, sem ter medo do depois. Amar e se entregar, e aprender a dar valor somente a quem te ama.

Fácil é ouvir a música que toca.
Difícil é ouvir a sua consciência, acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas erradas.

Fácil é ditar regras.
Difícil é seguí-las.
Ter a noção exata de nossas próprias vidas, ao invés de ter noção das vidas dos outros.

Fácil é perguntar o que deseja saber.
Difícil é estar preparado para escutar esta resposta ou querer entender a resposta.

Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade.
Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir, de alegria.

Fácil é dar um beijo.
Difícil é entregar a alma, sinceramente, por inteiro.

Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida.
Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como você é e te fazer feliz por inteiro.

Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica.
Difícil é ocupar o coração de alguém, saber que se é realmente amado.

Fácil é sonhar todas as noites.
Difícil é lutar por um sonho.

Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 19 de março de 2011

Adorável feminilidade

Enfim, tornei-me mulher. É, me sinto muito mais mulher do que há alguns meses. Engana-se quem achar que a minha maioridade foi relevante pra eu me sentir assim, aliás, ela nada relaciona-se com isso. O fato é que minhas perspectivas mudaram, meus propósitos amadureceram e até o meu corpo tem acompanhado tal transformação. Sou dona de minhas responsabilidades, que mesmo as tendo desde muito tempo, ainda não havia percebido intimamente que elas são parte daquilo que me caracteriza. Não sou mais vista por rótulos [se sou, desejo não ser], abandonei qualquer esteriótipo que um dia utilizei pra me definir.

Eu sou MULHER, eu me tornei mulher. O tempo fez assim.

Ser mulher é encontrar subjetividade no objeto. É um misto do que não pode ser misturado. Ser mulher é aceitar o inaceitável. É ser além, ser aquém...

Me tornei, mas não acabei.
Vou tornar, transformar e aprimorar a arte de ser MULHER.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Na pele do outro

O cotidiano parece se repetir conforme o previsto até que você é empalado por uma cena. Eu saía da loja de um shopping de São Paulo, na tarde de sábado, quando ele passou por mim. Não sei se era a forma como o ar se deslocava de outro jeito ao redor dele, mas eu ainda não o tinha visto e minhas mãos já se estendiam no ar para ampará-lo. Ou talvez fosse só impressão minha, uma vontade estancada antes do movimento. Era um homem velho. Mas mais do que velho, era um homem doente. Cada um dos seus passos se dava por uma coragem tão grande, porque até o pé aterrissar no chão me parecia que ele podia retroceder ou cair. Mas ele avançava. E porque ele avançava na minha frente eu pude ver aquilo que outras partes de mim já haviam percebido antes. Sobre a sua cabeça havia uma peruca tão falsa que servia apenas para revelar aquilo que ele pretendia esconder. E de uma cor tão diferente do seu cabelo branco que parecia descuido de quem o amava ou não amava. Aquilo doía porque havia uma vaidade nele, a preocupação de ocultar a nudez da cabeça. E a peruca mal feita a expunha como um fracasso. A cada um de seus passos de epopeia sua camisa subia revelando um largo pedaço da fralda geriátrica. E assim ele avançava como uma denúncia claudicante da fragilidade de todos nós. Atravessando o corredor do shopping, lugar onde fingimos poder comprar tudo o que nos falta, consumidos pelo medo dessa vida que já começa nos garantindo apenas o fim.

Eu o seguia nesse balé sem coreografia quando ouvi os risinhos. Olhei ao redor e vi as pessoas se cutucando. Olha lá. Olha lá que engraçado. Ele tinha virado piada. Aquele homem desconhecido deixara a sua casa e atravessava o shopping. Para isso empreendera seus melhores esforços. Tinha vestido a peruca para que não percebessem sua calvície. Tinha colocado a fralda para não se urinar no meio do corredor. E caminhava podendo cair a cada passo. E as pessoas ao seu redor riam. E por um momento temi uma cena de filme, quando de repente todos começam a gargalhar e há apenas o homem em silêncio. O homem que não compreende. Até enxergar seu reflexo no olhar que o outro lhe devolve e ser aniquilado porque tudo o que veem nele não é um homem tentando viver, mas uma chance de garantir sua superioridade e sua diferença.

Quando entrevisto algum escritor costumo perguntar: por que você escreve? Alguns me respondem que escrevem para não matar. Eu também escrevo para não matar. Acho que na maior parte das vezes a gente escreve, pinta, cozinha, compõe, costura, cria, enfim, porque não sabe o que fazer com as pessoas que riem enquanto alguém tenta atravessar o corredor do shopping sem ter forças para atravessar o corredor do shopping.

O que me horroriza, mais do que os grandes massacres estampados no noticiário, são essas pequenas maldades do cotidiano. E só consigo compreender os grandes massacres a partir dos pequenos massacres de todo dia. Os risinhos e dedos que apontam, os cotovelos que se cutucam.

Quem pratica os massacres miúdos do dia a dia é gente que se acha do bem, que não cometeu nenhum delito, que vai trabalhar de manhã e dá presente de Natal. Gente com quem você pode conversar sobre o tempo enquanto espera o ônibus, que trabalha ao seu lado ou bem perto de você, e às vezes até lhe empresta o creme dental no banheiro. É destes que eu tenho mais medo, é com estes que eu não sei lidar.


O pequeno mal está por toda parte. Possivelmente sempre esteve. Apenas que cada época tem suas peculiaridades. E na nossa somos cegados o tempo inteiro por imagens que nos chegam por telas de todos os tamanhos. E cada vez mais escolhemos as cenas que veremos, com quais nosso cérebro decidirá se comover. E as dividimos com os amigos no twitter, enviamos por email e parece até que há uma competição sobre quem consegue enviar mais rápido as imagens mais impactantes. Mas não sei se isso é ver. Não sei se isso nos coloca em contato de verdade.Entrevistei muitos assassinos sem sobressalto, porque estava tudo ali, explícito. Era uma quebra. O que me parece mais difícil é lidar com o mal rotineiro e persistente, difícil de combater porque camuflado. O mal praticado com afinco pelos pequenos assassinos do cotidiano que nenhuma lei enquadra. E quando você os confronta, esboçam uma cara de espanto.

Penso nisso porque acho que o mundo seria melhor – e a vida doeria um pouco menos – se cada um se esforçasse para vestir a pele do outro antes de rir, apontar e cutucar o colega para que não perca a chance de desprezar um outro, em geral mais vulnerável. Antes de julgar e de condenar. Antes de se achar melhor, mais esperto e mais inteligente. Vestir a pele do outro no minuto anterior ao salto na jugular.

Para mim é imediato me colocar na pele do homem que atravessa o corredor sem saber se vai chegar até o fim sem tombar. Mas é mais difícil me enfiar na pele das pessoas que riem, porque sinto raiva. E tenho a pretensão de não ter nada a ver com gente assim. Incorro então no mesmo erro, ao me pretender tão diferente daquele que me horroriza. É certo então que também eu cometi e cometo meus pecados de soberba. Por coerência – e eu valorizo a coerência - preciso me forçar. E eu me forço porque acredito nesse ato.

Quais são as razões delas, então? Por que ao testemunhar o homem que atravessa o shopping em passos trôpegos elas riem, se cutucam e apontam? Fiquei pensando se estas pessoas estão tão cegas pela avalanche de cenas em tempo real que para elas é apenas uma imagem da qual podem se descolar. É só mais uma cena que, como tantas a que assistimos todos os dias, não sabemos mais se é realidade ou ficção. Não é que não sabemos, apenas que parece que não importa, agora que os limites estão distendidos. Por que apenas assistimos às cenas – não as vemos nem entramos em contato.

E é esta a grande diferença num mundo de tanta visibilidade e tão pouco contato real. E o real aqui não é uma oposição entre o real e o virtual, mas o real real. Eu vejo você, eu toco em você, eu sinto a sua dor e me sujo com o seu sangue, ainda que seja pelo computador. É um jeito de estar no mundo e se relacionar com o outro disposto a se deixar tocar e a assumir os riscos de se deixar tocar. Me parece que estamos cada vez menos dispostos a isso – apesar de termos uma possibilidade grandiosa de acesso ao outro por conta da internet. Será que é isso? Dezenas de amigos no facebook e nenhum contato real, no sentido de se deixar transtornar e transformar pelo outro, para além das amenidades e da persistente troca de informações?

Será que era por isso que podiam rir? Por que não tinham nenhuma conexão com aquele outro ser humano? É curioso que agora o verbo conectar é mais usado para nos ligarmos a uma máquina que nos leva instantaneamente para a vida dos outros. Pela primeira vez somos capazes de nos conectar ao mundo inteiro. O que é mais fácil do que se conectar a uma só pessoa - ao homem doente que atravessa o corredor do shopping diante de nós. É curioso como agora podemos nos conectar – para nos desconectarmos.

E se, ao contrário, riam porque se sentiam tão conectadas a ele que precisavam rir para suportar? Pensei então que talvez pudesse ser esta a razão. Aquelas pessoas realmente enxergavam aquele homem – e por enxergar é que precisavam rir, se cutucar e apontar. Porque a fragilidade dele também é a delas, a de cada um de nós.

Nada nos garante que em algum momento da vida não estaremos nós também tentando atravessar o corredor do shopping por onde hoje caminhamos sem sentir. Nada nos assegura de que um dia não seremos nós a quase cair a cada passo. Se tivermos sorte e não morrermos de bala perdida ou de chuva, como afirmar que não usaremos fralda geriátrica ou tentaremos cobrir nossa calvície ou as marcas de uma quimioterapia com uma peruca que apenas denuncia aquilo que queríamos esconder?

Talvez seja esta a razão, pensei. Essas pessoas precisaram rir, cutucar e apontar para ter a certeza – momentânea e ilusória – de que ele não era elas. Não seria nunca. Só apontamos para o outro, para o diferente, para aquele que não somos nós. E quando apontamos para alguém é justamente para denunciar que ela não é como nós.

Neste caso, teria sido para se certificar. Elas diziam: Olha que peruca ridícula. Ou: Você viu que ele está de fralda? Mas na verdade estavam dizendo: O que acontece com ele nunca acontecerá comigo. Ou: Ele não tem nada a ver comigo. Por que deixam gente assim entrar num shopping?

Riam, cutucavam e apontavam por medo do que viam nele – de si mesmas.

São hipóteses, apenas. Uma tentativa de entender – de pensar e escrever em vez de responder com violência à violência que presenciei. E que me aniquila tanto quanto um massacre reconhecido no noticiário como massacre.

Talvez não seja nada disso. No Natal minha filha me deu de presente uma camiseta em que a Mafalda, a personagem do cartunista argentino Quino, dizia: “E não é que neste mundo tem cada vez mais gente e cada vez menos pessoas?”. Talvez ali, no corredor do shopping, não fossem pessoas – só gente. Porque nascemos gente – mas só nos tornamos pessoas se fizermos o movimento.


[Eliane Brum - Revista Época]

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O Bicho

Bom, pra início de conversa, eu ainda não estudei pra coisa nenhuma. Disse que 'amanhã' eu estudaria, mas esse amanhã já virou depois de amanhã e pelo o que eu tô vendo, vai demorar virar realidade.

Hoje acordei revoltada. É, revoltadíssima! Acordei com a sensação de ter sido esquecida no mundo. Aquela vontade devastadora e apertada de chorar quis perturbar o meu dia, mas felizmente eu fui mais forte que a tal vontade. O motivo pela minha chateação não se define e nesse caso é irrelevante, uma vez que o meu propósito nessa postagem vai muito além disso [chega de tanto individualismo, isso aqui tá parecendo mais um diário do que um blog].
Já havia postado sobre o filme 'Tropa de Elite 2', aliás, postagem ridícula, uma vez que a minha intenção era criticar, dialogar com o filme e infelizmente aquilo lá ficou mais pra resenha. Hoje tive a oportunidade de assisti-lo mais uma vez. E só assim meu dia começou...

Assisti ao Tropa, dessa vez acompanhada da ilustríssima presença dos meus pais. Tive um olhar diferente e muito mais criterioso em relação ao filme. Meu pai, um homem de poucas palavras, não demonstrou muita empolgação, mas no fundo eu sei que ele se surpreendeu. Minha mãe, foi impedida inúmeras vezes de assistir certas cenas do filme, por julgá-las fortes demais para a sua sensibilidade, mas gostou e ficou se questionando.

Poucas horas atrás tive a felicíssima oportunidade de assistir a outro filme. O nome do filme? Última parada 174. Chocante, surpreendente [as pessoas que lêem meu blog devem estar se perguntando porque eu não mudo o nome 'Controvérsias' para 'Surpreendente', já que essa é uma palavra que eu utilizo pelo o menos umas 10 vezes em cada postagem]. Mas insisto em dizer que o filme é mesmo muito surpreendente. Baseado em fatos reais, mostra a realidade nua e crua de um garoto abandonado pelas circunstanciais, sem perspectiva, sem futuro. Aliás, com um grande futuro... Rotulado por qualquer pessoa que o visse jogado nas ruas do Rio de Janeiro. Negro, pobre, mal vestido? Bandido é claro!

Não vou enfatizar a sinopse do filme nem abordar nada que esteja relacionado à história em que o filme foi baseado. Quero dizer que cada dia mais eu respiro a vontade de mudar essa realidade brusca e nojenta que vivemos. Já que a realidade das ruas e favelas está distante de mim, os filmes são meu instrumento de chegada até essa imundice que existe no nosso país.

E assim, eu termino essa postagem com uma poesia, que tem muita importância na minha vida por ter sido a primeira de tantas que eu já decorei pra declamar. Sou grata a minha mãe que me apresentou à linguagem do Manuel Bandeira, e que talvez tenha contribuído com a minha sede de mudança.

O Bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

[Manuel Bandeira]


terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Que os mestres me ajudem

aaah férias! Quanto mais o tempo passa, mais devagar ele fica. Sei que vou me arrepender de ter dito isso, mas queria tanto voltar à 'vida real', movimentada, surpreendente. Tenho tanto tempo que nem sei o que fazer com ele. Ando me sentindo tão fútil, tão vazia.. Meus pais têm razão quando olham pra mim e exclamam decepcionados: 'Aaah Ynaê, como eu queria te ver estudando!'.
Me acostumei a ouvir isso e é isso que os decepciona - me acostumei e agora não ligo pra mais nada!
Tenho vontade de acordar às 07:30 da manhã, pegar um livro qualquer e devorá-lo. Tenho vontade de trocar o computador por um bom livro. Tenho vontade de trocar a madrugada acordada por uma boa noite de sono depois do cansaço visual deixado pela leitura de um livro. Mas é aí que mora meu problema: Vontade eu até tenho, mas me falta força de vontade!

Amanhã pretendo começar a estudar Direito Civil... Prometi fazer isso nas férias e ainda não cumpri com a minha palavra. Enfim, boa sorte pra mim!
Que o Ilustríssimo Venoza, minha cara Maria Helena Diniz e o adorável Carlos Alberto Gonçalves me ajudem!

droga, postagem fútil e inútil!


segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Vaquejada


O último fim de semana foi muito surpreendente. Debaixo de muitos pingos de chuva que não cessavam em cair, eu e minha familia viajamos por norte do Estado para passar a virada do ano num lugar diferente. E era chuva, muita chuva! Não tinha distinção. Cidades maiores, currutelinhas insignficantes, a chuva caía na mesma medida, ritmo e intensidade.

A viagem era relativamente longa, 500 km pra percorrer e a chuva tornava um problema, uma vez que as estradas estavam sofrendo com a quatidade de água empoçada, o carro tinha que diminuir a velocidade.

Lugar lindo, paisagem perfeita.. Quase o paraíso. Visitei a família, conheci pessoas, cuidei de criança, aprendi truques culinários... e surpreendentemente, o que eu nunca imaginava encontrar lá pras bandas daquele lugar, eu acabei encontrando. Na cidade que não era tão grande, os acontecimentos movimentam toda uma população e consequentemente os turistas que ali estão. Era um evento. O acontecimento da pecuária da região. Vaquejada, alguém já ouviu falar? É, o nome é esse mesmo.

Vaquejada é um esporte praticado pelos peões, oriundos do nordeste, onde a intenção é 'laçar' os bois de uma forma alternativa. Uma vez que no Nordeste, a vegetação é pedregosa e muito diverificada, os peões econtram uma certa dificuldade em laçar os bois, para apreendê-los. Por isso, surgiu a vaquejada. Funciona assim: o peão montado em seu cavalo, corre atrás do seu alvo e puxa-o pelo rabo, para que esse esteja mobilizado. E como toda cultura vira moda e até mesmo esporte, nesse caso não foi diferente. A vaquejada foi trazida pra região de Goiás e tornou-se esporte atrativo naquela cidade.

Por lá, encontrei de tudo. Crianças, jovens, homens, mulheres, curiosos.. Cavalos, bois, churrasco, lama e muita chuva! A movimentação foi ganhando espaço. As pessoas se aglomeravam cada vez mais, a partida estava prestes a ser dada. E derepente, um moço montado num cavalo alazão de muita qualidade, desparou atrás de um boi. Este peão foi inclinando seu corpo no cavalo, adquirindo maior velocidade até que suas mãos encontrassem com o rabo do animal que tentava se defender, correndo cada vez mais. O objetivo era derrubar o animal num limite de espaço. Quem assim fizesse ganharia pontos e seria o vencedor.

Nesse ritmo de ano novo, vida nova e recomeço percebi que as coisas mais belas estão naquilo de mais simples que existe. Para os competidores da vaquejada, um começo de ano muito agitado. Para mim, espectadora de um esporte tão inusitado e irreverente pra quem conhecia, um início de ano surpreendente.



Bom, é isso! Um Feliz Ano Novo surpreendente pra todo mundo!